terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Um presente de Bosco Martins


Caríssimo Brigagão,

Envio material para sua apreciação sobre o poeta Manoel de Barros que sairá no final de Dezembro na Caros Amigos. Estamos liberando o material que segue para alguns poucos veiculos, de importância relevante em nossa mídia, como é o caso do seu blog.


Uma entrevista exclusiva com o autor de Memórias Inventadas - A Terceira Infância- e maior vendedor de livros de poesia do País.

Lançada no mercado de publicações, por um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, Sergio de Souza ( que partiu este ano), a revista Caros Amigos sempre circulou, nestes 11 anos, sob um ponto de vista original e diferenciado. Neste final de ano presenteia seus leitores e fãs, trazendo uma entrevista exclusiva com o poeta pantaneiro: Manoel de Barros. Reza a lenda, que cada vez mais arredio à imprensa ( perdeu um filho recente) e avesso a entrevistas, à Caros Amigos, mais uma vez, conseguiu o feito, por sua admiração à revista e seus editores e pela interlocução de seu correspondente no Mato Grosso do Sul, o repórter Bosco Martins. Amigo do poeta e de sua esposa Stella, há quase trinta anos, é um dos poucos jornalistas que ainda freqüenta sua intimidade e residência em Campo Grande/MS, onde mora o poeta. Esta relação de amizade, fez com que o mesmo se tornasse, uma espécie de interlocutor, dos admiradores que querem conhecê-lo. Desta feita, já estiveram na residência do casal, entre outros: José Hamilton Ribeiro, José Julio Chiavenato, Apolônio de Carvalho, Cássia Kiss, entre dezenas de globais, Gilberto Gil , ainda Ministro , que se “avexou” por o poeta tê-lo convidado à “praticar o ócio”, etc. Estas e outras estórias, se transformarão em livro ( já no prelo) devendo ser lançado em breve pelo jornalista. Mas é graças ao resultado desta intimidade entre o jornalista e o poeta que foi possível, à Caros Amigos, nos revelar confidências inéditas: Manoel o fala da obra de Paulo Coelho e de seu encontro com Vinicius Moraes, numa famosa casa da boêmia carioca da década de 60, do seu quase “encontro” com Manuel Bandeira e revela inclusive, uma decisão dolorosa à todos que amam sua poesia. Por conta da idade, o poeta revela ao jornalista, que “Memórias Inventadas- A Terceira Infância-” ( recém lançado pela Ed. Planeta), pode ser seu ultimo livro. Para os que acham pouco, mais revelações exclusivas sobre Manoel de Barros que completa neste mês Dezembro, 92 anos ( dia 19). Seguindo a sina de interlocutor e confidente do poeta , Bosco Martins, introduz desta vez , em sua sala de visitas outros dois jovens jornalistas, que trazem um presentão para ele nesta data especial: a informação de que sua obra ganhou tradução para língua inglesa. Suas tradutoras, como as de Guimarães Rosa e Machado de Assis, afirmam que foi preciso se desdobrarem para transportá-lo para a língua de Shakespeare. Sua “ originalidade lingüística,” provocou “um verdadeiro exercício semântico e poético”, garantem as duas, aos jornalistas João Carlos Lopes e José Santini. Juntos , com Bosco Martins assinam, este material imperdível e inédito. Um belo presente de natal, que poderá ser encontrado, nas bancas de todo o País, a partir do próximo 15 de Dezembro, numa tiragem de 50 mil exemplares. Leiam os principais trechos da matéria.

Manoel de Barros desvenda a infância da palavra
Maior vendedor de livros de poesia do País, o poeta pantaneiro diz que a semente da palavra é a voz de Deus, mas que só as crianças, os tontos e os poetas podem semeá-la

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BOSCO MARTINS



Mesmo quase sem escrever, Manoel de Barros não é o poeta triste e solitário à espera das horas. É na infância que ele continua a viver. E é dessa infância que nasce toda a sua poesia. Sua saudade é a fonte do minimalismo que eterniza as coisas sem importância do sertão pantaneiro. "Meu umbigo ainda não caiu. A ciência é essa: eu ainda sou infantil".
Mas a sua ciência não é lógica, é um contra-senso. Tudo nele é contraditório e desaforado. Nas paredes da sala de sua casa estão ladeados um arlequim de Degas e um velho retrato do vagabundo de Chaplin. No escritório onde produz uma poesia que só explica com imagens, as paredes são brancas. Nas suas mãos estão os profetas bíblicos, embora ele já tinha dito que é comunista.
Reservado, há mais de uma década ele se dedica a responder perguntas apenas por escrito. Foram raros os momentos em que se permitiu mostrar sob a palavra falada. Mas foi num desses raros momentos que ele recebeu a Caros Amigos em sua casa, em Campo Grande, cidade onde mora e mantém o seu "escritório de ser inútil, isto é, de ser poeta".
Mas que fique claro: esta entrevista não se trata de um lançamento do seu novo livro. Ele faz questão de enfatizar: "Eu não lanço nada. Porque essa palavra "lançar", lá em Cuiabá, quer dizer vomitar. Então eu nunca vomitei e nem vou vomitar aqui".

Leia os principais trechos da entrevista:

Leituras



Estou só relendo. Essa rapaziada mais nova eu quase não leio, inclusive porque estou prejudicado. Leio vinte minutos e começo a lacrimejar. Então eu leio as pessoas que já conheço e que gosto muito. Gosto demais de ler o Padre Antonio Viera, Guimarães Rosa, Machado de Assis, e o velho testamento: os Profetas do velho testamento. Sou fanático pelo velho testamento - pela literatura, como livros de arte. Não encaro aquilo como livro religioso - também me interessa, mas gosto principalmente dos profetas, me agrada muito a linguagem. Mas me angustia, sim, essa coisa de ler pouco. Porque eu acho que a literatura e qualquer arte serve para desabrochar a imaginação. E se você não tem boa leitura, não tem boa musica, não tem boa pintura, a sua imaginação, pelo menos a minha, eu acho que fica um pouco embotada, fica um pouco sem caminho e não desabrocha. Eu tenho escrito muito pouco, a minha imaginação criadora está muito prejudicada. Eu estou bem castrado, sabe. Mas não é culpa minha, velho é isso mesmo, tem limitações. A gente tem que aceitar sem chorar.





Escritório de ser inútil



É muito pequeno, só cabe a mim mesmo. Eu tive uma biblioteca lá no Rio, porque eu morei lá muitos anos, e quando eu mudei para Campo Grande, encaixotei tudo para enviar, mas se perdeu tudo pelo caminho. Não sei se foi algum roubo... Mas era uma biblioteca boa. [Hoje] tenho muitos coisas antigas, mas não tenho essa vaidade [de ter livros raros ou autografados]. E escrevo sempre a mão, no lápis. Eu tenho muitos lápis usados, sabe, muitos, uns cem. Continuo escrevendo até o toco, e depois guardo.





O dom da palavra



Primeiro eu sou cristão, eu acredito no dom. A pessoa nasce como uma predisposição, que eu chamo de dom para a arte. Eu acho que nasci com esse dom. Porque desde que me entendi por gente, com 13 anos, interno no Colégio dos Maristas, que eu fui ler pela primeira vez o Padre Antonio Vieira, foi que descobri o que era poesia, o que era literatura, o que era uma aplicação literária pela palavra. Então eu fiquei apaixonado pela palavra. Você sabe o que é se apaixonar pela palavra? É você sonhar com ela, e você tomar nota, e de manhã você saber se ela dormiu... A partir disso, eu nunca mais quis me aplicar a outra coisa. Eu achei que isso era a minha única destinação. Eu acho que poesia é um parafuso a mais na cabeça, outra uma vez três de menos. E nunca mais saiu da minha cabeça essa predestinação, essa tara, esse homicídio, essa obsessão pela palavra. Desde que comecei a ler o Vieira, eu também comecei a escrever. Escrevi para o meu pai e para minha mãe que já tinha descoberto minha vocação, que não era pra médico, dentista, engenheiro; era pra fazer frase. Eu chamo isso de dom.



Influências


Eu li toda a literatura portuguesa, todinha. Então fui ler francês, Rimbaud, Baudelaire, e esse pessoal toda da língua francesa. Morei nos Estados Unidos por um ano, para ler os poetas de língua inglesa. Mas o Padre Vieira me assusta, pela linguagem própria dele, pela linguagem poética dele, que é uma linguagem literária mesmo, e então descobri o que era literatura. Passei a ler tudo dele, todos os Sermões que ele tinha feito na vida dele, com o maior gosto. Foi um negócio que me levou para toda a literatura quatrocentista portuguesa. Eu passei do Vieira para os outros, Gil Vicente, Camões , etc. Então eu li toda a literatura portuguesa.


Desencontro com Manuel Bandeira


Conheci o Manuel Bandeira quando eu morava no Rio de Janeiro e dava aula na Faculdade de Filosofia, onde ele lecionava literatura. Ele morava em um apartamento - já tinha deixado o beco. Eu era apaixonado pela poesia dele, sou apaixonado pela poesia dele, gosto muito. Inclusive fui até Recife para conhecer a casa dele, na Rua da Aurora; cheguei lá e fiquei decepcionado: perguntei para as pessoas ali aonde era a casa dele, e ninguém conhecia quem era o Manuel Bandeira. Como eu já tinha ido a Pernambuco, resolvi conhecê-lo [pessoalmente, no Rio]; peguei coragem. Ele morava no quinto andar, em um edifício na Esplanada do Castelo. Subi até lá de elevador. Bati com o dedo na porta do apartamento, que eu sabia que era dele pelos jornais. Bati três vezes e não apareceu ninguém. Deu-me um medo, sabe, me deu um pavor. Saí correndo e desci pela escada a baixo. Não conheci o Bandeira. Eu fui para conhecê-lo, mas não o conheci por medo.

Encontro com Vinícius de Moraes

"Eu conheci Vinícius de Moraes num puteiro. Eu estava de férias em Corumbá, eu tinha vinte e poucos anos, e ele dirigia o Suplemento Literário do Jornal do Brasil. Eu resolvi escrever um poema e enviar lá para o Suplemento, assim de gozação comigo, eu sei que não ia merecer. Mandei para lá e na outra semana veio o meu poema na primeira página, e era um poema imenso. Aí então o Vinícius ficou sabendo que existia o Manoel de Barros. E um dia fui para o Rio, solteiro ainda, e fui para um dancing que existia na Av. Rio Branco. Então entrei e quando olhei lá no meio, sentado numa mesinha, estava o Vinícius, com uma mulata. Eu resolvi me apresentar, já tinha tomado até uns conhaques. Sentei na mesa e disse que era o Manoel de Barros, que ele tinha publicado um poema meu. Ele me cumprimentou e tal, mandou chamar uma mulata lá pra sentar comigo. Aí quando acabou o Dancing, agente foi tomar uma canja, tinha um lugar lá na Galeria Cruzeiro, onde tinha uma canja noturna, para os bêbados, assim ficamos amigos"

Academia


Não conheço nenhum intelectual brasileiro. Conheci só o Carlos Heitor Cony, lá em Cuiabá, quando recebi um prêmio do governador, e o Cony estava lá. No meio de uma porção de gente, e ele me viu e me chamou. Ele disse: "eu quero te falar só uma coisa, eu quero que você vá para a Academia Brasileira de Letras". Eu disse: "de jeito nenhum, não gosto de chá!" Falei mesmo para ele: "Cony, eu não tenho espírito acadêmico, não sou obediente à língua portuguesa, eu gosto muito de corromper a língua, e então ta fora esse negócio da academia." Eu seria um mal elemento lá, um chato. Não dá certo para mim, eu não tenho muito facilidade de conversar com intelectuais, sabe.


Linguagem


Sempre achei a linguagem destroncada mais bela que a comum. E sei que isso foi a causa de meu tardio reconhecimento. Eu concordaria que a linguagem é a minha matéria plástica. Eu plasmo a linguagem para me ser nela. Agora eu não sei se sou um defeito das minhas origens ou um efeito delas. Gosto da semente da palavra, que é a voz de Deus, que habita nas crianças, nos tontos, nos Profetas e nos poetas. Gosto da infância da palavra.
Minimalismo


Penso que vem de minha infância esse olhar minimalista. Eu fui criado no chão a brincar com os sapos e com as lagartixas. Eu tenho paixão pelas coisas sem importância. As coisas muito importantes me aniquilam. Dou como exemplo a bomba atômica. Eu escrevi este verso: O cu de uma formiga é mais importante do que uma bomba atômica. E eu acho mesmo!



Primeiro livro

O primeiro livro meu publicado foi por um camarada que eu encontrei na rua, sujeito do Rio Grande do Sul, que era editor. Ele perguntou se eu tinha algum livro pra publicar, eu disse que por acaso tinha um. Dei a ele o livro e ele leu na casa dele; disse que tinha gostado muito. Levou o livro lá para o Rio Grande do Sul e publicou. Mas [ele] nunca me disse nada, não fez contato comigo, e não sei de nada e não quero saber - e eu acho que o cara já morreu, há muito tempo!



Poesia de imagem


Eu acho que não sou [um poeta] popular. Eu acho que de certa maneira chego a ser difícil, porque tenho muita criação de imagem, sabe. As pessoas que gostam mais de usar a razão para ler, não gostam muito de mim. Só aqueles que usam a sensibilidade são meus leitores, eu tenho certeza disso. As pessoas que lêem querendo compreender, não. Porque eu não quero falar nada. São só umas imagens. Eu acho a minha poesia tem muito haver com as artes plásticas, e com o cinema também. Sou apaixonado pela pintura. Eu tenho a facilidade de enxergar atrás do quadro, aquilo que eles querem dizer.



Nova York


Eu sou um apaixonado pela vida primitiva, pelas origens nossas, e achei que era muito importante conhecer também a vida intelectual. Mas eu levei um choque, porque eu era primitivo quando cheguei lá [em Nova York]; e fiquei deslumbrado, aí a minha vida virou .Sabe o que eu fazia lá em Nova York? Eu ia para um lugar que eles chamam de 'clous ter', que é um convento que foi trazido da Itália, uma igrejinha do século XIII, trazida pedra por pedra para os Estados Unidos e reconstruída nesse lugar, que eu freqüentei todas as tardes para ouvir música barroca. Não é a minha cara não, né? (risos).


Testamento

O último poema.

Maior poeta em atividade no país revela ao jornalista Bosco Martins que pode ter escrito seu último livro

"Eu sou cuiabano de chapa e cruz. Mas fui criado no Pantanal de Corumbá, no chão de acampamentos, a ver meu pai fazendo cercas. Conheci as boas coisas do chão. Hoje o meu olhar é ajoelhado no chão a ver os caracóis da terra, as rãs das águas, os lagartos das pedras."


É assim que se define Manoel de Barros, aos 92 anos ( completa em 19 de Dezembro), sem dizer que é um dos maiores poetas contemporâneos e um dos poucos a a integrar o seleto grupo dos que já venderam mais de um milhão de livros. Mas ele explica: "Tenho paixão pelas coisas sem importância. As coisas muito importantes me aniquilam." Quase surdo, com os olhos lacrimosos de quem pouco vê, recém recuperado da perda de um filho, morto há um ano num acidente aéreo, Manoel confessa ainda, nesta entrevista exclusiva à Caros amigos, que seu novo livro, o último volume da trilogia que desvenda sua autobiografia, "Memórias Inventadas: A Terceira Infância" (Ed. Planeta) pode ser o último livro de sua carreira.


Último livro


“Meu último livro está aí lançado agora (Memórias Inventadas: A Terceira Infância, Ed. Planeta), e tenho recebido muitos telefonemas do Brasil inteiro sobre esse livro, que é um livrinho exíguo, sabe, mas é meu último livro, é alguma coisa que eu ainda precisava dizer. É meu último livro.”






Último livro?
Manoel de Barros - É meu último livro.

Não escreverá mais nada?
É meu último livro. Por enquanto, é meu último livro. Mas sei lá, sabe, pode acontecer...


Limites da idade e angústia
Me angustia, sim. Porque a literatura e qualquer arte serve para desabrochar a imaginação. E se você não tem boa leitura, não tem boa musica, não tem boa pintura, a sua imaginação fica um pouco embotada, fica um pouco sem caminho. Eu tenho escrito muito pouco. A minha imaginação criadora está muito prejudicada. Eu estou bem castrado, sabe. Mas não é culpa minha, velho é isso mesmo, tem limitações. A gente tem que aceitar sem chorar.


Record versus Planeta
A editora Record quer lançar minhas obras completas, mas a [ed.] Planeta, que publicou um livro meu só, não quer ceder os direitos para eles. Então está preso o livro de minhas obras completas. Eu não vou brigar com a Record e nem com a Planeta. Eu vou esperar meu contrato terminar. Mas sei lá se vou esperar...

Dinheiro e poesia?
Manoel de Barros - Ganho muito [dinheiro com a poesia]. Eu vendo muito bem, sabe. Primeiro eu recebo um adiantamento, e a venda dos livros paga o adiantamento e daí fico recebendo pela vendagem dos livros e dos outros que já estão publicados. Não é dinheirão, não - mas dá para viver. E recebo muitos prêmios também. Acaba que dá uma boa média.


Tradução para o Inglês - Eu tenho algumas traduções fora do país, mas não tinha nenhuma em inglês. Tenho em espanhol, alemão, francês e até em catalão. Teve um sujeito que tentou uma tradução minha para o inglês, mas ele veio falar comigo que broxou, porque tinha que inventar muitas palavras. Para minha tradução francesa, o tradutor teve que escrever mais de vinte cartas para mim. E o tradutor do alemão, que é o mesmo de Guimarães Rosa, também, fez a mesma coisa.


Lançamento nos EUA?
Manoel de Barros - Eu não lanço nada. Essa palavra lançar, lá em Cuiabá, quer dizer vomitar. Então eu nunca vomitei aqui e nem vou vomitar lá fora. Eu sempre tive editores, sabe. O primeiro foi o Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, que me conheceu por acaso, eu acho que foi pela coluna do Millôr Fernandes, que teria lido um livro meu. Ele me telefonou, e eu fiquei espantado, bugre fica espantado, e me disse que queria publicar um livro meu. Até os 60 anos eu não tinha editor, mas já tinha publicado 8 livros.


MANOEL DE BARROS PRA INGLÊS LER


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JOÃO CARLOS GOMES
JOSÉ SANTINI


O poeta completa 92 anos e ganha tradução de sua obra para o inglês e publicação nos EUA.

Leia a entrevista exclusiva para Caros Amigos com suas tradutoras: Idra Novey e Flávia Rocha



Durante os dez anos em que morou no profundo sertão pantaneiro, administrando a sua fazenda Santa Cruz, Manoel de Barros não escreveu um só poema. Embora o pantanal seja o palco de seus versos, a produção de sua poesia é urbana. E ele admite a influência da cidade de Nova York na sua formação poética, por conta do período em que morou na metrópole americana, após uma viagem pela América Latina, vivendo com índios no Peru e na Bolívia.

Foi diante dessa poesia desafiadora que Idra Novey e Flávia Rocha resolveram traduzi-lo. Elas são as responsáveis pela primeira tradução do autor para o inglês: "A selection from shelter: The selected poems of Manoel de Barros", ainda sem previsão de lançamento, é o título definitivo da antologia que Caros Amigos teve acesso exclusivo.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva:

Idra Novey

"Numa tradução, a gente vai decidindo o que sacrificar ou o que preservar do poema original, palavra por palavra"

Quem é

Poeta e tradutora americana, tem 29 anos. Mestra da em poesia na Columbia University, em Nova York, onde hoje também leciona poesia. Ganhadora do P.E.N Translation Fund Award, um dos mais prestigiados prêmios de tradução dos Estados Unidos, pela tradução dos poemas de Paulo Henriques Brito, de 2005. Dedica-se a ensinar poesia para detentos da penitenciária de segurança máxima de Nova York, no programa de formação universitária para presidiários do Bard College. Traduziu a maior parte dos poemas de Manoel de Barros para o inglês.


O que publicou

Organizou e selecionou os poemas de The Next Country, de 2005, e é a tradutora de The Clean Shirt of It: Poems of Paulo Henriques Britto, de 2007.

Flávia Rocha

"E acho que a tradução é uma transformação e uma apropriação das palavras"

Quem é

Jornalista e poeta paulistana, tem 34 anos. Mestrada em poesia na Columbia University, em Nova York, é uma das editoras da revista Rattapallax. Como jornalista trabalhou para Bravo!, Carta Capital, Valor Econômico e para a revista The New Yorker. É co-fundadora da Academia Internacional de Cinema, com sedes em São Paulo e Curitiba. Recentemente recebeu uma bolsa de apoio a produção de poesia da Biblioteca Nacional. Organizou e selecionou parte dos poemas para a tradução de Manoel de Barros para o inglês.


O que publicou

A Casa Azul ao Meio-dia, de 2004, uma seleção de poemas que foi também sua tese de mestrado.

A tradução será uma antologia de poemas, e foram quantos poemas traduzidos ao todo?

Idra Novey - Traduzi 75 poemas ao total. A idéia é oferece uma introdução a poesia de Manoel em inglês. É uma seleção de poemas importantes, exatamente igual ao que fiz para o livro de Paulo Henriques Brito, que traduzi no ano passado.

Flávia Rocha - É uma antologia de poemas selecionados de vários livros. Não tem nenhum livro que predomina, porque uma da característica mais marcante de Manoel de Barros é justamente a capacidade de ter um estilo muito definido, e os livros todos parecem fazer parte de um mesmo projeto, eles dão continuidade a uma linguagem e a um projeto lingüista que ele propõe. Eu acredito que dentro da toda obra dele há alguns poemas que falam mais ao leitor, e esses poemas não estão necessariamente em uma seleção.



A poesia de Manoel de Barros é muito rica em palavras inventadas. Como foi que vocês trabalharam isso nas traduções ?

Idra Novey - Parte do que me atrai na poesia de Manoel é a sua utilização de neologismos e as estruturas gramáticas surpreendentes. Isso faz o leitor perceber a linguagem com um novo olhar, e através da linguagem perceber o mundo com novos olhos. Tentei criar neologismos, na medida do possível. Às vezes é difícil inventar uma palavra que tenha o mesmo alcance, e não pareça uma tradução literal ou excessivamente forçada, mas é exatamente este desafio que me atraiu para o projeto. Por outro lado, como poeta, também quis traduzir os poemas com liberdade suficiente para uma boa poesia em Inglês, com a música e a fluidez capaz de agarrar a atenção e as emoções do leitor. Numa tradução, a gente vai decidindo o que sacrificar ou o que preservar do poema original, palavra por palavra.

Flávia Rocha - Eu não gosto de notas de rodapé ou coisas desse tipo de coisa. Eu acho que o poema tem que fazer sentido em si. Às vezes a tradução não vai conseguir, dependo do leitor, atingir o que é o poema. E quando você trata de um poema com forte ligação regional, isso se perde ainda mais. Mas a gente tenta manter o máximo possível de ligação com o regional, mas isso passa a não ser tão importante no conjunto geral das coisas. O importante é que o poema funcione.

Como é resolver traduzir e lançar um poeta que, além de latino-americano, é ainda desconhecido nos Estados Unidos? E esse tipo de trabalho recebe algum apoio ou é facilmente aceito pelo mercado editorial?

Flávia Rocha - Isso agente sabia que seria difícil, porque ele é um poeta totalmente desconhecido [nos Estados Unidos]. Adélia Prado, por exemplo, é mais conhecida, como também o Ferreira Gullar. É que depende muito, quando você fala de poetas brasileiros ou mesmo de autores de prosa. [Depende] do projeto pessoal de algum tradutor americano que tenha se encantado com o autor. Não são fatores de mercado, são projetos pessoais de tradutores, com interesses individuais envolvidos nesse mercado literário de ficção, que é muito pequeno e muito restrito às universidades.

Idra Novey - Mas para essa tradução eu ganhei uma bolsa da National Endowment for the Arts (NEA). Uns dez tradutores, poetas e escritores ganham bolsas do NEA todos os anos. É um programa governamental. A idéia é que com a bolsa o autor possa deixar de trabalhar por um tempo, ou trabalhar menos, para poder terminar o livro.


Como foi o contato de vocês com Manoel de Barros para realizar as traduções ?

Flávia Rocha - Antes de começar a traduzir, eu entrei em contato com ele. Ele deu muita liberdade para as nossas escolhas, nos deixou muito livre no nosso trabalho, desde o princípio, sem qualquer restrição. A gente não sabia como ele receberia essa idéia, ainda mais por ser uma poesia que tem um trabalho de linguagem e uma conexão local muito grande, mas ele recebeu muito bem, o que eu acho que demonstra uma visão de que a poesia se transforma em outras coisas, usando essa idéia transformadora do próprio Manoel de Barros. E acho que a tradução é uma transformação e uma apropriação das palavras.

BOSCO MARTINS – correspondente da Caros Amigos/MS, colaborador dos sites: comunique-se, overmundo e cronópios.
bosco.martins@carosamigos.com.br
JOÃO CARLOS GOMES E JOSÉ SANTINI - Jornalistas
joao.carlos.los@gmail.com

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