sábado, 16 de agosto de 2008

Espectadores matam atores de Romeu e Julieta; é García Lorca



O Público é, provavelmente, a obra mais controversa do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Não só pelos temas de que trata, mas também pelo fato de ter sido tomada, durante muito tempo, como uma obra inacabada. O dramaturgo, que dizia considerar a peça "irrepresentável", deixou três manuscritos diferentes do texto.
Censurados pela família, esses fragmentos só foram reunidos muitos anos após a morte de Lorca, chegando finalmente a uma forma final. A peça, que agora é encenada no Brasil pela primeira vez, parte de um mote aparentemente simples: os espectadores de uma montagem de Romeu e Julieta, de Shakespeare, assassinam os atores que interpretam o casal depois de descobrir que eles são homens.
O mais interessante, entretanto, é que esse início, aparentemente realista, abre espaço para a criação de uma dramaturgia em que o que predomina é a fantasia. Ainda que seja uma crítica à moral burguesa e à intolerância, a peça não segue as estruturas dramáticas tradicionais.
A um só tempo erótica e política, inspira-se no surrealismo, apoiando-se em personagens "impossíveis" — cuja composição não obedece às regras de verossimilhança — e na predominância de imagens poéticas no texto.

Iconoclastia
Fruto de muitos meses de pesquisa, a montagem do grupo paulista XPTO tem o mérito de exercitar, na cena, uma leitura própria dessa fantasia lorquiana. O conflito entre autoridade e liberdade, entre desejo e interdição, que marca toda a obra do autor, ganha uma tradução cênica em que o acento permanece todo o tempo na crítica do comportamento.
Do ponto de vista cênico, o diretor Osvaldo Gabrieli optou por representação carnavalizada, que exige o apoio firme dos intérpretes. Apesar de o elenco ser jovem, os atores respondem bem a essa dramaturgia complexa, embrenhando-se na paisagem de imagens e palavras da peça.
Também é digna de nota a direção musical de Beto Firmino, que criou uma trilha com função narrativa indispensável ao espetáculo. As canções, compostas sobre os poemas de Lorca, colaboram em muito com o que as cenas têm de mais comovente.
É preciso observar que muito da iconoclastia formal deste "drama impossível" se esgotou dos anos 30 para cá. Por outro lado, é estimulante perceber um grupo de artistas que ainda considera o teatro uma arte capaz de fazer frente às estruturas carcomidas da sociedade e à intolerância. De todas as virtudes que O Público tem, essa é a mais importante.
O texto acima foi publicado na revista "Bravo" deste mês e também está no site Vermelho.Achei importante compartilhar com leitores deste blog.

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